segunda-feira, 22 de abril de 2013

Pense nisso !


A educação da alma pelo corpo

A realização ou a frustração de crianças e jovens com seu físico depende muito da orientação que recebe na escola.

Ao sair de manhã, vejo meninas pulando corda no pátio. Sua alegria espontânea invade nosso prédio. No semáforo, junto a um malabarista, um rapaz em cadeira de rodas exibe maestria  com a bola de basquete. Os dois estão a serviço, orgulhosos por seu desempenho. Na colina ao lado do caminho que percorro, garotos empinam pipas. Brincam, mas com o empenho de quem trabalhasse. Chego à universidade desviando de meninos que jogam bola e dividem o espaço livre do estacionamento com skatistas. Disputam entre si, pois a graça do esporte depende do adversário.
Nessas cenas urbanas, crianças e jovens desafiam a si mesmo no desenvolver contínuo do corpo e da mente. Isso se dá na prática de habilidades físicas, na estética da avaliação de movimentos e na ética das regras do jogo. O sentido lúdico só reforça a formação integral, pois preparar skates e pipas, por exemplo, demanda disciplina pessoal. Organizar partidas, por sua vez, exige planejamento coletivo e competência social. Todos estudam, mas nem todas as etapas escolares mobilizam corpo e mente.
 Especialmente na Educação Infantil se dá continuidade à formação familiar para o afeto, a alimentação e a higiene. Nessa fase, o corpo é central para a realização de práticas como o canto, a dança, o desenho e os jogos. Os pequenos gostam de ir a essas escolas, em que seu desenvolvimento socioafetivo passa pelo afago da professora e pelos esbarrões ou abraços dos colegas. A avaliação não se restringe ao cognitivo, pois se quer saber eles estão felizes e saudáveis.
À medida que a criança avança as séries, no entanto, é comum seu corpo se tornar mero portador de mente e seu bem-estar só merecer atenção se interferir nas notas, pois disciplinas limitadas ao cognitivo não tratam de aspectos corporais ou socioafetivos. Quando o ensino é assim, a Educação Física se desvaloriza em suas dimensões ética, estética e prática, que dariam continuidade à formação do ser que brinca e joga. O que se vê, então, é muita gente que detesta ir à aula ou que recebe equivocados diagnósticos de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH).
Não por acaso, a sociedade em que escolas ignoram o corpo também vive um lamentável culto ao corpo, a cultura da malhação a serviço de uma estética ditatorial, que condena baixinhos, magrelos e gordos e exclui dos palcos e das telas quem não atenda a seus padrões, exceto para ridicularizar seu tipo destoante. Disso decorre a abominação das diferenças, que dá lugar ao bullying, o assédio moral para a infelicidade de muitos.
Mas onde está o corpo nas outras disciplinas, além da Educação Física? Em Ciências, nas escolas onde falar da maquina que come e se reproduz não é só prevenção mas também sabor e prazer, ao ensinar gosto por cozinhar e a alegria e a ética nos jogos e no amor. Está em Artes, se há lugar para a produção individual e coletiva, além da apreciação da pintura, da musica e do teatro. Está em História, em Geografia e na literatura, se a diversidade de etnias ,tipos físicos,  vestuários e expressões revelar a riqueza da vida.
Ilustro isso com emoção recente que vivi no doutoramento de minha amiga Maria Amália Barbosa, paralisada há anos por acidente cerebral e depois consagrada pelo trabalho com crianças tetraplégicas, que são levadas a museus e a um ateliê, onde seus poucos movimentos são valorizados em trabalhos de Arte, e seu corpo, desenhado ou carimbado em lindas telas. Esse é um exemplo definitivo de que todos nós, jovens ou velhos, exuberantes ou fragilizados, podemos nos realizar com o corpo com que trabalhamos e amamos. Aliás, é com ele que vamos ou fomos à escola, que, portanto, não pode ignorá-lo. 

                                                                               Luis Carlos de Menezes
                                                      Físico e educador da Universidade de São Paulo (USP)
                                                 Disponível na Revista Nova Escola, novembro 2012. 




Renata Alves Badaró

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